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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Grande Mentecapto - Fernando Sabino

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“ Esta é uma obra de imaginação profundamente séria, e mesmo pungente, a despeito do autor, que a quis fazer burlesca e burlona, porém não resistiu à pressão interna dos personagens e das situações por eles vividas.” (Carlos Drummond de Andrade)




         O jornalista e escritor Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte em 12 de Outubro de 1923. Na adolescência foi locutor de rádio e desde então já mostrava seu talento como escritor, escrevia  artigos, contos e crônicas em revistas da cidade. Na década de 1940, ingressou na Faculdade de Direito e no ramo jornalístico, tornando-se redator da Folha de Minas. Em 1941, publicou seu primeiro livro de contos, Os grilos não cantam mais. O Encontro Marcado (1956), uma das suas obras mais conhecida e prestigiada, foi editada no exterior e adaptada para o teatro. Publicou outras obras como: O homem nu, O menino no espelho, Amor de Capitu, O pintor que pintou o sete, publicou suas correspondências com Clarice Lispector, Paulo Mendes, entre outros. Em Julho de 1999, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia  Brasileira de Letras. Faleceu na véspera do seu aniversário de 81 anos, devido a um câncer no fígado, em sua casa no Rio de Janeiro. A seu pedido, está gravada em sua lápide: “Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.”.
       A obra trabalhada nessa resenha foi iniciada em 1946, quando o autor tinha 23 anos. Porém, deixou-a inacabada, dedicando-se a outros livros como O Encontro Marcado. Anos depois, encontrou a história entre papéis velhos e mostrou a sua mulher, que o incentivou a concluí-la. Em 1979, 33 anos depois, foi publicada, garantiu-lhe o Prêmio Jabuti e foi adaptada para o teatro e cinema. Trata-se de um romance com características da novela picaresca, onde Sabino exalta as pessoas simples, ingênuas e puras, isso está claro na epígrafe: “Todo aquele, pois que não se fizer pequeno como este menino, este será maior no reino dos céus”.
    A história se passa em Minas Gerais, tem como personagem principal Geraldo Boaventura, nome de batismo, logo é nomeado Geraldo Viramundo, por causa das suas aventuras e desventuras. É um personagem picaresco, um Dom Quixote mineiro. E assim como na obra de Dom Quixote, em cada capítulo tem um pequeno resumo dos fatos principais. No primeiro capítulo é narrada a sua infância vivida numa cidadezinha chamada Rio Acima. Era o caçula de treze irmãos, era como os outros meninos, brincava, corria, nadava, perturbava e cedo virou homem. A parte mais marcante desse capítulo é quando Viramundo faz uma aposta com seus amigos, de que pararia o trem que passava pela cidade e pelo qual os meninos tinham fascínio. Posicionou-se em cima da linha e o trem teve que parar. Tal fato foi comentado durante semanas na cidade, ele ficou conhecido como o menino que parava até trem. Pingolinha, um amigo seu de 6 anos, quis repetir a façanha e terminou tendo um final trágico. Viramundo levou a culpa, foi julgado por toda cidade. Esse acontecimento o marcou e nunca mais foi o mesmo, ditanciou-se dos amigos, passou a viver isolado e pensativo. O aparecimento do padre Limeira na cidade, o faz desejar seguir a vida religiosa, contente, o padre o leva para o Seminário.
     No segundo capítulo, o narrador deixa claro que nada sabe sobre sua vida no seminário. Este é um recurso muito interessante usado por  Sabino. Finge que é um pesquisador sobre a vida de Viramundo e que este realmente existiu. Sabe apenas que  Viramundo tornou-se uma pessoa culta, aprendeu francês, mas um grande vazio e desespero tomaram conta dele, pois percebeu que estava no lugar errado. O que motivou sua saída do seminário, foi ter, acidentalmente, escutado a confissão de uma viúva nada moral e logo em seguida ter espalhado as aventuras dela. As pessoas revoltadas com a promiscuidade da viúva, Pietrolina ou Peidolina (como alguns maldosos a chamavam), resolveram bater nela. linchá-la, ao intervir, Viramundo é espancado e expulso da cidade.
        Sua vida é percorrer Minas Gerais, sem assumir compromissos e relacionamentos, é amado  por uns, odiado e desprezado por outros. Por onde passa apronta alguma, mas nunca é intencional, é um homem com mentalidade de um menino, que quer mudar o mundo sem fazer mal a ninguém, se apronta é por conseqüência das atitudes dos outros. Recebeu 53 apelidos, cada um de acordo com um feito seu, como Vira-Lata, Pé na cova, Sacristia, Boi, Sem eira nem Beira etc. Quando chega em Ouro Preto, faz amizade com uns estudantes da república, é nesse período que se apaixona perdidamente por ninguém menos que a filha do governador Clarimundo Ladisbão, Marília. Isso remete a Dom Quixote, que se apaixonou do mesmo modo por Dulcinéia. Passa a lhe escrever cartas, Dionísio, um dos estudantes, compadecido, responde as cartas se passando por Marília. Isso deixa Viramundo eufórico e cheio de esperanças. Com remorso, os estudantes contaram-lhe a verdade, mas ele não acreditou. Um acontecimento fantástico e impressionante aconteceu com Viramundo num baile, tão fantástico, que ele acabou saindo da cidade.O próprio narrador diz que se o leitor escolher não acreditar, tem esse direito. É curiosa a posição do autor-narrador na história, não é personagem, mas interfere constantemente, e cita várias personalidades como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Freud, Umberto Eco etc.
       Continua suas peregrinações, se candidata a prefeito, é preso, é internado num hospício, entra no Esquadrão da cavalaria, enfrenta um touro e uma assombração, é espancado injustamente por causa de uma mulher. Convive com meretrizes por não ter abrigo, vai morar na ruas, é levado para uma cidade projetada para abrigar só mendigos, é levado novamente para o hospício, comanda a revolução dos mendigos, loucos, meretrizes e simpatizantes. O narrador chega comparar essa revolução com a Revolta de Canudos.
       Alguns acontecimentos mudaram completamente a vida de Viramundo. Um deles, foi finalmente ter acreditado que eram os estudantes que escreviam as cartas, daí constatou a efemeridade da vida. O outro foi a morte de uma idoso cego, amigo seu..Morto injustamente por policiais, percebe-se  a forte crítica à corrupção e injustiças. Após a morte do amigo, Viramundo entra num conflito existencialista.  Voltando à Revolução promovida por ele,  o governador prometera  melhorar a situação, mas não cumprira. Em resposta, Viramundo e dois fiéis amigos, Capitão Batatinhas e Barbareca, seguem ao Rio de Janeiro para recorrer ao presidente. Param no caminho para descançar, Viramundo reconhece Rio Acima, mas fica indiferente. Pressentia que sua hora havia chegado. Barbareca surge com um saco de comida, após saciados seus companheiros saem m busca de água,deixando Viramundo só. De súbito é rodeado por homens que o acusam de roubar as mercadorias do armazém e apontam o saco como prova do crime. Espancam e Viramundo  faz um enorme esforço para não emitir som, para que seus amigos não apareçam naquela hora e apanhem também. É amarrado numa árvore e espancado sem dó, antes de irem embora, um dos homens pega uma vara e atinge no tórax do infeliz . Se não estivesse tão anestesiado pela dor, Viramundo teria reconhecido a voz do seu irmão Breno, o que provocou tudo. Seus amigos ao retornar, ficam chocados com a cena e choram desesperadamente, nada mais se podia fazer, se não fosse a vara lançada poderia  ter sobrevivido. Deu um meio sorriso ao ver que seus amigos estavam salvos. Morreu aos 33 anos.Causa mortis: ignorada.Foi enterrado numa cova rasa como indigente.
     Há um dialogismo muito forte com a bíblia; assim como Jesus, morreu aos 33 anos; em toda sua vida procurou fazer o bem e no final acabou morrendo injustamente. Há também, uma crítica à sociedade, os personagens são caricaturas para representarem os tipos das sociedade, há um choque entre a pureza e ingenuidade de Viramundo com a hipocrisia e maldade das outras pessoas. Essa ingenuidade do herói é quebrada quando percebe que tudo ao seu redor  são calúnias, desonestidades.
  É um livro espetacular, que aborda temas clássicos e profundos à maneira brasileira. Prende o leitor do início ao fim, e faz esse se envolver e simpatizar-se com Viramundo. Talvez Fernando Sabino nem imaginou que uma obra, a qual não deu tanta importância, faria tanto sucesso e fosse lida avidamente e aprovada com louvor. É um livro para se carregar por toda a vida.