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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Bosch e Bruegel

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Há uns 9 meses, li o livro A Peste de Albert Camus. É uma obra fantástica, na qual Camus, mais uma vez, mostrou sua genialidade. No entanto, a capa me chamou mais atenção, o que não deixa de ser curioso, visto que capas de livros nunca prenderam minha atenção. Mas a deste me intrigou, e só descansei quando descobri que a ilustração é a obra do pintor flamengo Hieronymus Bosch (1450-1516). Desde então, ele se tornou um dos meus pintores preferidos.

O pintor Hieronymus Bosch, sob a influência de uma formação religiosa fortíssima e talvez do clima sombrio dos Países Baixos, tem dado forma a passagens bíblicas que tratam do apocalipse. Bosch pinta grandes painéis nos quais mistura diferentes situações bíblicas, em efeitos desconcertantes. Sua mais surpreendente obra, 
A Tentação de Santo Antônio, finalizada no ano passado, retrata um mundo corrupto, grotesco e putrefatato. (Veja)



(Painel central de A Tentação e Santo Antonio,Bosch)


Em minhas leituras sobre Bosch, descobri que ele influenciou o meu pintor favorito, o Pieter Bruegel (1525/1530-1569). Bruegel (Brueghel até 1559) é considerado o primeiro maneirista dos Países Baixos dono de um estilo que o diferencia de seus contemporâneos Tintoretto e El Greco (outro artista que me encanta). O cotidiano medieval, atividades humanas, vida campestre são temas constantes nas telas de Bruegel. Oscila entre o gótico medieval e a pintura flamenga renascentista, e tal como Bosch, seu antecessor, aproveita cada espaço da tela, por conseguinte, a riqueza de detalhes é impressionante. As obras de Bruegel retratam humanos, monstros, animais e figuras híbridas. É Realista nos detalhe, não distorce as figuras como El Greco o faz, porém, no conjunto da obra há um surrealismo que se perdura na pintura surrelista moderna.
Suas principais obras são: O Triunfo da MorteA Torre de BabelTerra de CocaigneA Batalha entre Carnival e Lent, etc. As minhas preferidas são: Jogo de CriançasA Parábola dos cegos A Batalha entre Carnival e Lent.


Jogos das Crianças (1560): Nesse quadro, cerca de 250 crianças participam de 84 brincadeiras.




A Parábola dos Cegos (1568): Essa tela é uma alusão ao Evangelho de Mateus 15:14 "Deixai-os: são condutores cegos: ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova."


Flor do Deserto

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Seu nome é Waris Dirie, a Flor do deserto. Nome mais que adequado para essa personalidade linda e delicada como uma flor, porém tenaz o suficiente para sobreviver às adversidades. Ex-modelo internacional e atualmente embaixadora da ONU, é um dos maiores exemplos de persistência, determinação e coragem que já vi.


Saiu de uma tribo no deserto da Somália para as capas das mais renomadas revistas de moda, como a Vogue. Essa trajetória, porém, não foi fácil. O relato pode levar a pessoa mais insensível às lágrimas. Waris nasceu num lugar onde as mulheres não têm voz, e onde ainda é mantida uma prática vil e arcaica: a mutilação genital feminina. A justificativa para tal ato (nada justifica ) é que as partes íntimas das mulheres são sujas e lascívas, portanto deve-se retirar o clitóris, feito isso a mulher estará limpa e digna para um casamento. pode levar à morte, visto que é feito em condições primitivas, sem anestésico, com facas ou pedras.


Aos cinco 5 anos de idade, Waris foi mutilada. Isso deixou marcas profundas nela. Diz que a dor é ... não tem palavras. É para poupar outras meninas do mesmo sofrimento, que batalha contra essa prática. Esse não foi seu único sofrimento. Foi obrigada, aos 13 anos, a se casar com com homem de 60 anos. Se rebelou, fugiu. Foi sua atitude tão destemida que fez com que sua história fosse diferente da das suas conterrâneas.


A trajetória até a fama foi cheia de altos e baixos. Há detalhes que perderiam a essência se narrados por mim, ninguém melhor que Waris Dirie para nos levar à emoção e compartilhar com ela momentos de dor, surpresa, felicidade...


Quem quiser saber mais sobre essa grande mulher, recomendo que compre seu livro : A Flor do Deserto.

Contos de fadas e contos maravilhosos

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       Fadas, bruxas, príncipes, reis, rainhas, duendes e criaturas falantes fazem parte do universo mágico que compõe as narrativas maravilhosas. Estas narrativas são oriundas da imaginação coletiva e foram  transmitidas através da tradição oral e ainda se perduram lançando seus encantos não só ao público infantil, tido como público alvo, mas também aos leitores  adultos, como assinala Coelho (1987):

A visão mágica do mundo deixou de ser privativa das crianças, para ser assumida pelos adultos. A bela Adormecida, Rapunzel, Chapeuzinho Vermelho e mil e outras narrativas maravilhosas ainda terão algo a nos dizer? Sem dúvida que sim. O que nelas aparece apenas “infantil”, divertido ou absurdo, na verdade carrega uma significativa herança de sentidos ocultos e essenciais para a nossa vida.   ( COELHO, 1987:9)
       
         E qual é o segredo da perenidade das narrativas maravilhosas?  Mais do que simples estórias de encantamento, essas narrativas representam, simbolicamente, temas profundos, questões existencialistas e as mesmas inquietações e desejos do homem atual, transcendendo, portanto, épocas e culturas diferentes. Das formas de narrar, o  Conto de fadas e o Conto maravilhoso são as mais salientes e possuem semelhanças tão grandes entre si que costumam ser confundidas. Há, porém, diferenças significativas entre ambos.
          A partir da origem notam-se as diferenças; enquanto o Conto de fadas  tem origem celta, o Conto maravilhoso tem origem oriental. O  primeiro  pode ter ou não a presença de fadas, mas obrigatoriamente deve ter elementos feéricos. Outra distinção muito significativa, segundo COELHO (1987), é o núcleo problemático, que no Conto de fadas caracteriza-se pela busca do herói pela realização pessoal marcada pelo teor existencialista. Nessa busca, o herói enfrenta adversidades e contratempos, e recebe, na maioria das vezes, o auxílio de uma fada para alcançar seu ideal, o amor. O termo fada vem do latim fatum que significa destino, fado. Sendo assim, atuam como mediadoras  intervindo no destino do herói ou da heroína. Há fadas que podem dificultar a trajetória do herói são comumente conhecidas como bruxas.  A dualidade entre o bem e o mal é outro aspecto importante do Conto de fadas. Nessa batalha, o bem sempre vence o mal, o que indica o conteúdo moralizante dos contos. 
         Por sua vez, os Contos maravilhosos apresentam a problemática da tentativa de ascensão social, realização exterior, segundo COELHO (1987). Nesses contos, o protagonista ou o antagonista partindo da pobreza tenta ascender socialmente e na busca por riquezas acontecem as venturas e desventuras. É importante salientar que as fadas não integram o universo maravilhoso desses contos, outros elementos mágicos estão presentes (duendes, animais e objetos falantes, entre outros).

PERRAULT E OS IRMÃOS GRIMM 

        Nascidas da tradição oral, as narrativas maravilhosas foram coletadas, transcritas e adaptadas. Charles Perrault foi o responsável por adaptar para o público infantil as histórias que antes eram direcionadas para os adultos.  Para COELHO (1987), a intenção de Perrault não era apenas recriar estórias para as crianças:
A partir daí Perrault volta-se inteiramente para essa redescoberta da narrativa popular maravilhosa , com um duplo intuito; provar a equivalência de valores ou de “sabedoria” entre os Antigos greco-latinos e os Antigos nacionais, e , com esse material redescoberto, divertir as crianças, principalmente as meninas, orientando sua formação moral. (COELHO, 1987: 68)

           Em 1697, Perrault publicou a obra que é considerada  o marco do nascimento da literatura infantil,  Contos  da Mãe Gansa. É composta por oito contos  A Bela Adormecida no bosque, Chapeuzinho vermelho, O Barba azul, O Gato de botas, As fadas, A Gata Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar, sendo seis contos de fadas e dois contos maravilhosos, todavia, sem essa distinção “Mas naquele momento, não havia distinção de espécie entre eles. Eram todos igualados como histórias e contos do passado , que ficaram famosos como Contos da Mãe Gansa.”  (COELHO, 1987: 69)
           O trabalho dos Grimm é o enfoque da presente pesquisa. Folcloristas, filólogos e estudiosos da língua e mitologia germânica, Jacob e Wihlem Grimm foram alemães que se preocuparam em estudar a língua e o folclore alemão. Para embasar  seus estudos lingüísticos, os Grimm coletaram narrativas maravilhosas, lendas, fábulas diretamente da tradição oral 

                     Duas mulheres teriam sido as principais testemunhas de que se valeram os Irmãos Grimm para essa homérica recolha de textos: a velha camponesa Katherina Wieekmann, de prodigiosa memória,  e Jeannette Hassenpflug, descendente de franceses e amiga íntima da família Grimm.” (COELHO, 1987: 73)

   Depois de transcrito e adaptado, esse material  resultou na obra intitulada Contos de fadas para crianças e adultos (Kinder und Hausmaerchen).
          Os irmãos Grimm deram uma nova roupagem às narrativas maravilhosas, uma roupagem desprovida da violência que havia nos contos de Perrault. Como bem assinala COELHO (1987), a violência presente nas estórias de Perrault deu lugar a um humanismo resultante do Romantismo em voga na época. Apesar dessa patente distinção entre os contos de Perrault e dos Grimm, possuem algumas semelhanças , principalmente fundo comum das fontes orientais, célticas e européias, de onde surgiram (COELHO, 1987: 75). Da ampla coletânea de contos e fábulas dos irmãos Grimm , muitos contos se destacam como Os sete Anões e a Branca de Neve, A Bela Adormecida, O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, Os músicos de Bremen, entre outros. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Análise estrutural do conto machadiano Missa do Galo

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         O conto Missa do Galo de Machado de Assis, publicado na primeira edição do livro Páginas Recolhidas em 1899, é um dos mais famosos dentre os trezentos contos escritos pelo mesmo.
         É  narrado pelo personagem protagonista Nogueira, que numa retrospectiva insegura, relembra o passado. Volta aos 17 anos, quando esteve hospedado na casa do escrivão Meneses, que fora casado com uma de suas primas, e agora com a boa e santa Conceição. Recorda-se da noite de Natal, quando esperava a meia-noite para acordar o vizinho que iria acompanhá-lo. Enquanto lia Os três mosqueteiros, D. Conceição entra na sala e iniciam um diálogo insinuante, misterioso e aparentemente banal, deixa-o confuso, como bem expressa ao iniciar a narrativa “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora [...]”,  diálogo que só finda devido à missa que ele deveria ir. No dia seguinte, Conceição age como se nada houvesse acontecido. Nogueira retorna à Mangaratiba e mais tarde toma conhecimento da morte de Meneses e do casamento da boa Conceição com o escrevente juramentado do marido.
         Analisando a estrutura narrativa do conto,  a começar pelo enredo – conjunto de fatos que constituem a ação -  percebe-se que não há ocorrência sucessiva, portanto não-linear. Através de uma retrospectiva o narrador-personagem constrói a narrativa. Primeiramente  há a exposição dos personagens:
                                                A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas.

O estabelecimento do conflito acontece quando Conceição entra na sala interrompendo a leitura do jovem.
Inicia-se uma longa conversa, um jogo de sedução subjetivo, uma  aproximação, uma troca de olhares, esses fatos correspondem ao desenvolvimento do conto.
O clímax se dá no momento que Conceição anda inquieta, senta-se sensualmente, seduz o jovem inexperiente:

                                                                        E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou, trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. (1983, 83)

                                                                     Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. (1983, 84)

O ‘elemento’ braço aparece em várias obras de Machado Quincas Borba, Dom Casmurro, no conto  Uns braços,  inclusive no conto em questão;

                          Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor.

                             A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia, contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. (1983, p.83)

O desenlace ocorre no momento em que o vizinho bate na janela chamando-o para a Missa. Há uma quebra daquela atmosfera de intimidade e sedução, das quais, aparentemente, não restam vestígios no dia seguinte, pelo menos para Conceição, que demonstra a bondade que lhe é característica.
A presença do quadro de “Cleópatra”, pode ser interpretado como um motivo narrativo associado- importante para a coerência actancial interna. Ao dizer que os quadros estavam velhos e que preferia imagens de santas, Conceição parece querer chamar a atenção de Nogueira para o quadro de Cleópatra, rainha famosa bela beleza e seus romances com Marco Antônio e Júlio César.

O espaço inicial e final da narrativa é o mesmo, trata-se do espaço exterior  - dehors sartreano. Passa-se no Rio de Janeiro, na Rua do Senado, num casa mal assombrada. A ação acontece na sala.
Quanto à representação temporal, trata-se do sistema horológico, objetivo e marcado de forma precisa:
“Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso”. (1983,p.82),
 “Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia”. (1983, p.81)
  “Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862” (1983, p.81)
“combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.” (1983,p.81)
A técnica do Flashback é perceptível no conto, a volta ao tempo para recordar algo relevante do passado:
“Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta” (1983,p. 81).
“Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas” (1983,p.85)
Nogueira reflete sobre aquela noite de Natal dezessete anos atrás, para tentar entender aquela conversa com Dona Conceição, conversa que o deixou intrigado e confuso ao longo dos anos.
Quanto à natureza, os personagens pertencem à categoria de seres humanos. São eles: Nogueira, rapaz ingênuo, 17 anos, estudante de Mangaratiba que vai ao Rio de Janeiro estudar preparatórios. Conceição, 30 anos, considerada boa e santa pelo narrador, temperamento moderado, tolerava as traições do marido. Chiquinho Meneses é escrivão, casado com Conceição, antes com a prima de Nogueira, adúltero, morreu de apoplexia. Meneses, sua sogra e as duas  escravas são apenas citados na narrativa.
Os personagens principais são Conceição e Nogueira, sendo este o protagonista, pertencente ao primeiro plano. Conceição é uma personagem esférica, a princípio era natural, previsível, benigna, mas naquela noite de Natal, surpreende o narrador-personagem e o próprio leitor, revela-se uma mulher sedutora, insinuante, madura.
O vizinho, inconscientemente, é o antagonista, pois atrapalha um momento de enlevo do protagonista.
O nome dos personagens, às vezes, é um pretexto motivacional, pode ser um dos motivos associado à ação. Como ocorre com Conceição:
                               
                                     “O nome da personagem alude à Imaculada Conceição, mas vem de concipio, composto de cum (com, junto a) e capio (tomar, agarrar, aferrar). Se o erotismo e a capacidade de sedução de Conceição são reprimidos, inconsistentes, quase (in)existentes, no momento da representação o seu olhar perturbador persegue Nogueira.” (1996)

Em Missa do Galo  há apenas a visão do narrador-personagem, por conseguinte, ele mais conta (‘telling’) do que mostra (‘showing’). Segundo a proposta de Komroff, trata-se de um narrador interno – primeira pessoa, protagonista. Na topologia de Norman Friedman: “eu” protagonista ou narrador-protagonista, aquele que é limitado, não onisciente. Como a narrativa é retrospectiva, memorialista, está sujeita a falhas, incertezas:
Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me.(1983, p.84)
De acordo com a teoria das visões na narrativa de Jean Pouillon, a relação narrador-personagem  neste conto machadiano, é a visão com, na qual o narrador é limitado, expõe o seu ponto de vista  sobre os outros personagens, acontecimentos e sobre si mesmo. Analisa as reações alheias, mas não tem certeza delas, não é onisciente. “ Talvez esteja aborrecida” pensei eu (1983. p82) (grifo meu)

Após a análise, algumas indagações foram sancionadas, outras surgiram, muitas interpretações são possíveis, como bem diz Gotlib:
 Na verdade, nem ele, nem nós conseguimos ir até o final das conjeturas, para chegarmos a uma conclusão sobre o que realmente aconteceu naquela noite, entre Sr. Nogueira e d. Conceição [...]
Por conseguinte, esse conto, assim como outras obras de Machado, representa um desafio, um enigma para o leitor, além de proporcionar um leque de interpretações das mais variadas dependendo da visão de cada pessoa.


REFERÊNCIAS

  • GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 4. ed. São Paulo: Ática, 1997.
  • LEITE, Lígia Chiapini Moraes. O foco narrativo.  São Paulo: Ática, 1985.
  • __ “Missa do Galo”: ironia romântica amor e leveza. In_____caderno Cepusc de Pesquisa. Série ensaios. n2. Belo Horizonte: PUC Minas, p. 34 – 42 (Site: www.ich.pucminas.br/.../Missa%20do%20galo%20revisado.pdf  / em 25 de Novembro)
  • ASSIS, Machado de. Missa do Galo. In____Machado de Assis Contos. 10 ed. São Paulo: Ática, 1983, p.81-85
  • ·    GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do Conto. Série Princípios Editora Ática; Rio de Janeiro, 2006 (versão em PDF)






segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Grande Mentecapto - Fernando Sabino

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“ Esta é uma obra de imaginação profundamente séria, e mesmo pungente, a despeito do autor, que a quis fazer burlesca e burlona, porém não resistiu à pressão interna dos personagens e das situações por eles vividas.” (Carlos Drummond de Andrade)




         O jornalista e escritor Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte em 12 de Outubro de 1923. Na adolescência foi locutor de rádio e desde então já mostrava seu talento como escritor, escrevia  artigos, contos e crônicas em revistas da cidade. Na década de 1940, ingressou na Faculdade de Direito e no ramo jornalístico, tornando-se redator da Folha de Minas. Em 1941, publicou seu primeiro livro de contos, Os grilos não cantam mais. O Encontro Marcado (1956), uma das suas obras mais conhecida e prestigiada, foi editada no exterior e adaptada para o teatro. Publicou outras obras como: O homem nu, O menino no espelho, Amor de Capitu, O pintor que pintou o sete, publicou suas correspondências com Clarice Lispector, Paulo Mendes, entre outros. Em Julho de 1999, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia  Brasileira de Letras. Faleceu na véspera do seu aniversário de 81 anos, devido a um câncer no fígado, em sua casa no Rio de Janeiro. A seu pedido, está gravada em sua lápide: “Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.”.
       A obra trabalhada nessa resenha foi iniciada em 1946, quando o autor tinha 23 anos. Porém, deixou-a inacabada, dedicando-se a outros livros como O Encontro Marcado. Anos depois, encontrou a história entre papéis velhos e mostrou a sua mulher, que o incentivou a concluí-la. Em 1979, 33 anos depois, foi publicada, garantiu-lhe o Prêmio Jabuti e foi adaptada para o teatro e cinema. Trata-se de um romance com características da novela picaresca, onde Sabino exalta as pessoas simples, ingênuas e puras, isso está claro na epígrafe: “Todo aquele, pois que não se fizer pequeno como este menino, este será maior no reino dos céus”.
    A história se passa em Minas Gerais, tem como personagem principal Geraldo Boaventura, nome de batismo, logo é nomeado Geraldo Viramundo, por causa das suas aventuras e desventuras. É um personagem picaresco, um Dom Quixote mineiro. E assim como na obra de Dom Quixote, em cada capítulo tem um pequeno resumo dos fatos principais. No primeiro capítulo é narrada a sua infância vivida numa cidadezinha chamada Rio Acima. Era o caçula de treze irmãos, era como os outros meninos, brincava, corria, nadava, perturbava e cedo virou homem. A parte mais marcante desse capítulo é quando Viramundo faz uma aposta com seus amigos, de que pararia o trem que passava pela cidade e pelo qual os meninos tinham fascínio. Posicionou-se em cima da linha e o trem teve que parar. Tal fato foi comentado durante semanas na cidade, ele ficou conhecido como o menino que parava até trem. Pingolinha, um amigo seu de 6 anos, quis repetir a façanha e terminou tendo um final trágico. Viramundo levou a culpa, foi julgado por toda cidade. Esse acontecimento o marcou e nunca mais foi o mesmo, ditanciou-se dos amigos, passou a viver isolado e pensativo. O aparecimento do padre Limeira na cidade, o faz desejar seguir a vida religiosa, contente, o padre o leva para o Seminário.
     No segundo capítulo, o narrador deixa claro que nada sabe sobre sua vida no seminário. Este é um recurso muito interessante usado por  Sabino. Finge que é um pesquisador sobre a vida de Viramundo e que este realmente existiu. Sabe apenas que  Viramundo tornou-se uma pessoa culta, aprendeu francês, mas um grande vazio e desespero tomaram conta dele, pois percebeu que estava no lugar errado. O que motivou sua saída do seminário, foi ter, acidentalmente, escutado a confissão de uma viúva nada moral e logo em seguida ter espalhado as aventuras dela. As pessoas revoltadas com a promiscuidade da viúva, Pietrolina ou Peidolina (como alguns maldosos a chamavam), resolveram bater nela. linchá-la, ao intervir, Viramundo é espancado e expulso da cidade.
        Sua vida é percorrer Minas Gerais, sem assumir compromissos e relacionamentos, é amado  por uns, odiado e desprezado por outros. Por onde passa apronta alguma, mas nunca é intencional, é um homem com mentalidade de um menino, que quer mudar o mundo sem fazer mal a ninguém, se apronta é por conseqüência das atitudes dos outros. Recebeu 53 apelidos, cada um de acordo com um feito seu, como Vira-Lata, Pé na cova, Sacristia, Boi, Sem eira nem Beira etc. Quando chega em Ouro Preto, faz amizade com uns estudantes da república, é nesse período que se apaixona perdidamente por ninguém menos que a filha do governador Clarimundo Ladisbão, Marília. Isso remete a Dom Quixote, que se apaixonou do mesmo modo por Dulcinéia. Passa a lhe escrever cartas, Dionísio, um dos estudantes, compadecido, responde as cartas se passando por Marília. Isso deixa Viramundo eufórico e cheio de esperanças. Com remorso, os estudantes contaram-lhe a verdade, mas ele não acreditou. Um acontecimento fantástico e impressionante aconteceu com Viramundo num baile, tão fantástico, que ele acabou saindo da cidade.O próprio narrador diz que se o leitor escolher não acreditar, tem esse direito. É curiosa a posição do autor-narrador na história, não é personagem, mas interfere constantemente, e cita várias personalidades como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Freud, Umberto Eco etc.
       Continua suas peregrinações, se candidata a prefeito, é preso, é internado num hospício, entra no Esquadrão da cavalaria, enfrenta um touro e uma assombração, é espancado injustamente por causa de uma mulher. Convive com meretrizes por não ter abrigo, vai morar na ruas, é levado para uma cidade projetada para abrigar só mendigos, é levado novamente para o hospício, comanda a revolução dos mendigos, loucos, meretrizes e simpatizantes. O narrador chega comparar essa revolução com a Revolta de Canudos.
       Alguns acontecimentos mudaram completamente a vida de Viramundo. Um deles, foi finalmente ter acreditado que eram os estudantes que escreviam as cartas, daí constatou a efemeridade da vida. O outro foi a morte de uma idoso cego, amigo seu..Morto injustamente por policiais, percebe-se  a forte crítica à corrupção e injustiças. Após a morte do amigo, Viramundo entra num conflito existencialista.  Voltando à Revolução promovida por ele,  o governador prometera  melhorar a situação, mas não cumprira. Em resposta, Viramundo e dois fiéis amigos, Capitão Batatinhas e Barbareca, seguem ao Rio de Janeiro para recorrer ao presidente. Param no caminho para descançar, Viramundo reconhece Rio Acima, mas fica indiferente. Pressentia que sua hora havia chegado. Barbareca surge com um saco de comida, após saciados seus companheiros saem m busca de água,deixando Viramundo só. De súbito é rodeado por homens que o acusam de roubar as mercadorias do armazém e apontam o saco como prova do crime. Espancam e Viramundo  faz um enorme esforço para não emitir som, para que seus amigos não apareçam naquela hora e apanhem também. É amarrado numa árvore e espancado sem dó, antes de irem embora, um dos homens pega uma vara e atinge no tórax do infeliz . Se não estivesse tão anestesiado pela dor, Viramundo teria reconhecido a voz do seu irmão Breno, o que provocou tudo. Seus amigos ao retornar, ficam chocados com a cena e choram desesperadamente, nada mais se podia fazer, se não fosse a vara lançada poderia  ter sobrevivido. Deu um meio sorriso ao ver que seus amigos estavam salvos. Morreu aos 33 anos.Causa mortis: ignorada.Foi enterrado numa cova rasa como indigente.
     Há um dialogismo muito forte com a bíblia; assim como Jesus, morreu aos 33 anos; em toda sua vida procurou fazer o bem e no final acabou morrendo injustamente. Há também, uma crítica à sociedade, os personagens são caricaturas para representarem os tipos das sociedade, há um choque entre a pureza e ingenuidade de Viramundo com a hipocrisia e maldade das outras pessoas. Essa ingenuidade do herói é quebrada quando percebe que tudo ao seu redor  são calúnias, desonestidades.
  É um livro espetacular, que aborda temas clássicos e profundos à maneira brasileira. Prende o leitor do início ao fim, e faz esse se envolver e simpatizar-se com Viramundo. Talvez Fernando Sabino nem imaginou que uma obra, a qual não deu tanta importância, faria tanto sucesso e fosse lida avidamente e aprovada com louvor. É um livro para se carregar por toda a vida.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Marco Lucchesi é o novo membro da Academia Brasileira de Letras

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Com 47 anos, o poeta e ensaísta é o membro mais jovem da instituição. Ele substitui o Padre Fernando Bastos Ávila, morto em novembro de 2010.



A Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu, nesta quinta-feira (3), o professor, ensaísta e poeta carioca Marco Lucchesi para a Cadeira Número 15 da instituição. Com 47 anos, Lucchesi, que passou a ser o integrante mais jovem da ABL, substitui o Padre Fernando Bastos de Ávila, falecido em 6 de novembro do ano passado. O poeta recebeu 34 dos 38 votos possíveis (tendo sido três abstenções e um voto em branco).  Compareceram à sessão 26 acadêmicos, 9 dos quais votarem presencialmente. Houve 27 votos por carta. “A chegada do escritor Marco Lucchesi constitui uma contribuição das mais valiosas para o quadro da Academia. Jovem e brilhante, certamente será de muita valia para os projetos e propostas que nossa Casa deseja implementar nos próximos anos”, afirmou em comunicado o Presidente da ABL, Marcos Vinicios Vilaça.



Formado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ e pós-doutor em filosofia da Renascença na Universidade de Colônia, na Alemanha, Lucchesi tem, entre suas publicações, os livros "Meridiano celeste & bestiário", premiado com o Prêmio Alphonsus de Guimarães 2006 da Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti 2007; "Sphera", que recebeu Menção Honrosa do Prêmio Jabuti 2004, além do Prêmio UBE de Poesia Da Costa e Silva 2004; "Os olhos do deserto"; "Saudades do paraíso" e "O sorriso do caos". Também teve algumas de suas obras publicadas em italiano, como "Poesie" e "La gioia del dolor".


A Cadeira Número 15 tem como patrono o poeta e teatrólogo Gonçalves Dias e seu primeiro ocupante foi Olavo Bilac. Além de Bilac e do Padre Ávila, ocuparam a Cadeira Amadeu Amaral (1875-1929); Guilherme de Almeida (1890-1969); Odylo Costa, filho (1914-1969); e Dom Marcos Barbosa (1915-1997).

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Literatura em luto

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Morre o escritor gaúcho Moacyr Scliar

Escritor teve falência múltipla de órgãos e morreu à 1h de domingo (27).
Desde 2003, Scliar era membro da Academia Brasileira de Letras.



       O escritor gaúcho Moacyr Scliar, 73 anos, morreu na madrugada deste domingo (27) no Hospital de Clínicas em Porto Alegre, por falência múltipla de órgãos devido às consequências de um acidente vascular cerebral (AVC).

      Scliar havia sofrido um AVC na madrugada de 16 de janeiro enquanto se recuperava de uma cirurgia no intestino. De acordo com a assessoria de imprensa do hospital, o escritor morreu à 1h, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ele deve ser velado neste domingo na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a partir das 14h. O sepultamento será na segunda-feira (28), em cerimônia reservada a familiares e amigos.

      Moacyr Jaime Scliar nasceu em 23 de março de 1937, em Porto Alegre. Era casado com Judith, com quem teve um filho, Roberto. Seus pais, José e Sara Scliar, oriundos da Bessarábia (Rússia), chegaram ao Brasil em 1904. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, era especialista em Saúde Pública e Doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública, tendo exercido a profissão junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência.

Seu primeiro livro, publicado em 1962, foi "Histórias de médico em formação", contos baseados em sua experiência como estudante. Em 1968, publicou "O carnaval dos animais", de contos, que considerava de fato sua primeira obra.
     Publicou mais de 70 livros de diversos gêneros literários – entre eles, os romances “O Exército de um homem só”, “A estranha nação de Rafael Mendes” e “O centauro no jardim” – e teve textos adaptados para cinema, televisão, rádio e teatro, inclusive no exterior. Era colaborador dos jornais Zero Hora e Folha de S. Paulo. Desde 2003, era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Scliar ganhou três vezes o Prêmio Jabuti – a mais recente, em 2009, com o romance “Manual da paixão solitária”.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Morte e o Amor

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Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo ‘clima’, certa ‘preparação’. Certa ‘grandeza’. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo ‘eterno’) cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma, dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Caio Fernando Abreu

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“Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso é, às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como ‘estou contente outra vez’…”

Caio Fernando Abreu

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Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também.

Édipo Rei

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Verifica-se que a essencialidade do ser, apresentado no mito, mesmo com a antigüidade, é perene. O mito de Édipo apresenta diferentes formas de interpretação das ações inerentes aos homens segundo interesses de cada um.
                                   (fragmento do artigo  O MITO DE ÉDIPO Uma hermenêutica antropológica)

 Édipo foi o condutor do inquérito, o promotor, o juiz, o carrasco e o réu de si mesmo. Ele consegue ter êxito no inquérito, êxito esse que o destrói.

                 (fragmento do artigo  A Emergência do Inquérito como  Figura  de Verdade  no Quadro do Pensamento Grego)

   De maneira geral, essa tragédia busca expor o ser humano em sua essência, dentro de suas fraquezas e potencialidades. Remete-nos a um questionamento: será que somos plenamente, a ponto de responsabilizarmos pelos nossos atos?
                                                     (fragmento do artigo  O MITO DE ÉDIPO Uma hermenêutica antropológica)






Tive grandes dores de cabeça com a disciplina de Teoria da Literatura, pois não é tão simples estudar Aristóteles, Horácio, Terry Eagleton, Boris Eikhenbaum, formalistas e estruturalistas russos, entre muitos outros. Mas foram nas Teorias (Teoria do Teatro, da Poesia, da Narrativa, etc) que conheci as maiores riquezas da Literatura Universal, com destaque para o gregos. Apaixonei-me pelo Teatro grego, principalmente pelas tragédias, que, indubitavelmente, têm como maior exemplo Édipo Rei.


A tragédia é uma das maiores heranças do teatro deixada pelos gregos. Aristóteles, na Poética, aborda minuciosamente esse gênero e considera Édipo Rei o exemplo mais perfeito de tragédia grega. É a imitação de ações de caráter elevado, focalizando a vida e os atos dos homens superiores. Acredita-se que tenha se originado nas festas e rituais dedicados ao deus Dionísio, posteriormente foi tomando um sentido mais amplo e complexo, contendo mitos, conflitos existencialista, passionalismo, etc. O teatro grego teve três grandes tragediógrafos; Ésquilo, Eurípedes e Sófocles. Este último gozou de uma próspera vida.

Sófocles era de uma família abastada, teve uma excelente educação, integrou no coro de jovens, contemplou a expansão imperialista ateniense com Péricles e também sua decadência na Guerra do Peloponeso. Participou da política ativamente, ganhou diversos concursos dramáticos, chegou a derrotar Ésquilo. Escreveu aproximadamente cento e vinte peças, mas apenas sete chegaram até nós. Das sete, as mais famosas são as relacionados ao mito de Édipo ( Édipo Rei, Antígona e Édipo em Colono). A última peça, Édipo em Colono, Sófocles usou-a para se defender no Tribunal de Atenas, pois foi acusado de senilidade pelo próprio filho. Foi absolvido. Morreu aos noventas anos, no mesmo ano em que Eurípedes. Sófocles aborda em suas peças temas que transcendem épocas, conflitos universais que podem ser vivenciados por qualquer pessoa em qualquer tempo. Édipo Rei é um exemplo perfeito da impotência do homem diante do destino.

Merecidamente, Édipo Rei foi considerado o mais perfeito exemplo de tragédia grega, por Aristóteles. É um clássico, pois sobreviveu ao tempo, continua sendo lido avidamente nos dias atuais e certamente será nas próximas gerações, porque sua temática envolve problemas universais vivenciados pelo homem em qualquer época. Assim, o homem se encontra na obra Édipo Rei. O mito de Édipo influenciou até a psicanálise, Freud se baseou nesse mito para definir o Complexo de Édipo, que é o conflito de sentimentos de amor e ódio vivenciados na infância, onde aquele o filho sente pela mãe e este pelo pai, esse complexo é universal. Assim, o complexo e o mito assemelham-se porque ambos envolvem questões éticas, sociais e tabus. Essa é só uma das inúmeras importâncias dessa peça, que cada vez que é lida oferece um leque de novas análises e estudos.

Das vantagendes de ser bobo

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O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
  Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
  Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
  Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
  Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!  
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
  O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
  Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
  Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Clarice Lispector

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Mulheres são como maçãs

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Quando li esse texto achei super bonitinho e verdadeiro. Pesquisei a autoria, porém não encontrei fontes confiáveis; achei um site que atribui a  autoria a Machado de Assis.  (hahaha)



Mulheres são como maçãs...
... as melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas, porque eles têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. Assim as maçãs do topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade, eles estão errados. Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar... Aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore.

Martha Medeiros

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Acho a maior graça. Tomate previne isso,cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere...

Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.

Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.

Prazer faz muito bem.
Dormir me deixa 0 km.
Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me
embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
E telejornais... os médicos deveriam proibir - como doem!
Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo,
faz muito bem! Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde!
E passar o resto do dia sem coragem para pedir
desculpas, pior ainda!
Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau!
Cinema é melhor pra saúde do que pipoca!
Conversa é melhor do que piada.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Economia é melhor do que dívida.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Sonhar é melhor do que nada!


Pedaço de mim

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Aqui vai a primeira música (de muitas que virão) do Chico Buarque. As músicas dele são poesia pura. Gosto especialmente dessa porque expressa a saudade com excelência, sentimento que vivencio mais que ninguém.

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

Bilhete

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Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana

Haicai

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Poeminha de Louvor ao “Strip-tease” Secular

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Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;
Mas foi na praia!

A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!

As fazendas
Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:
Quase nuas.
E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno
Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!


Millôr Fernandes

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- Pai...
- Hmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- O quê?
- O feminino de sexo.
- Não tem.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem sexo masculino?
- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e Feminino.
- E como é o feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra "sexo" é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
- Não devia ser "a sexa"?
- Não.
- Por que não?
- Porque não! Desculpe. Porque não. "Sexo" é sempre masculino.
- O sexo da mulher é masculino?
- É. Não! O sexo da mulher é feminino.
- E como é o feminino?
- Sexo mesmo. Igual ao do homem.
- O sexo da mulher é igual ao do homem?
- É. Quer dizer... Olha aqui. Tem sexo masculino e sexo feminino, certo?
- Certo.
- São duas coisas diferentes.
- Então como é o feminino de sexo?
- É igual ao masculino.
- Mas não são diferentes?
- Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.
- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
- A palavra é masculina.
- Não. "A palavra" é feminino. Se fosse masculina seria "o pal..."
- Chega! Vai brincar, vai.
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:
- Temos que ficar de olho nesse guri...
- Por quê?
- Ele só pensa em gramática.

Luís Fernando Veríssimo

A dor que dói mais

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Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Martha Medeiros

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

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Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calmo e perdôo logo. Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre. Sou paciente mas profundamente colérico, como a maioria dos pacientes. As pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdôo de antemão. Gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo. Nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrado? Tenho uma paz profunda, continuou ele, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo. Se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz.

Clarice Lispector

Dez Coisas que Levei Anos Para Aprender

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1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.

2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.

4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.

5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.

6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.

7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".

8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".

9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.